sábado, março 15, 2008

BES Photo, há noites assim, assombrosas, fantásticas...

A inauguração da 4ª edição do Prémio BES Photo estava marcada para as 22:00 horas do dia 13 de Março, em exposição no Museu Colecção Berardo podíamos ver os trabalhos inéditos dos três concorrentes, Daniel Malhão, Eurico Lino do Vale e Miguel Soares. Pelo adiantado da hora e pelo facto de ter sido a meio da semana, fiquei surpreendida pela quantidade de gente que ali se deslocou. Percebi depois que nem todos ali estariam por amor à fotografia. Foi servido por um catering: mousse de salmão com chantilly e trufas de cabrito panadas com amêndoas gratinadas e molho picante, acompanhei com champanhe para animar a noite.
Tenho seguido estas edições do BES Photo e, parece-me que, este ano se fez o hat trick . Eu explico porquê. Todos os trabalhos concorrentes são de tal forma fotográficos – nem sempre assim aconteceu em anteriores edições, que é demasiado penosa a escolha de qualquer um deles em detrimento dos outros dois.

Daniel Malhão (Lisboa, 1971) apresenta para o prémio BES Photo 2007 a obra «As Far as I Can See», “quatro dípticos de paisagens marítimas cortadas pela linha do horizonte, afastando o céu e o mar. Esta peça nasce da pergunta: «até onde posso ver?». Com este trabalho, Daniel Malhão tenta definir os limites.” O fotógrafo “inunda-nos” e hipnotiza-nos com a imensidão cromática das suas paisagens, ele invoca, provocantemente, um dos maiores tabus da fotografia a dimensão e os limites da mesma. A escala é determinante para o sucesso de uma imagem, José Luís Neto vencedor da 2ª edição do BES Photo, pratica o exercício da escala e das dimensões em muitos dos seus trabalhos, “Irgendwo” (1998), ou em “22474” (2000), os minúsculos rostos encapuçados dos prisioneiros fotografados por Joshua Benoliel em 1912 na penitenciária de Lisboa em Campolide e ampliados por José Luís Neto até ao formato de 30x40 cm.
Daniel Malhão vai mais longe em «As Far as I Can See», salvaguardando o carácter físico do suporte, se nos posicionarmos convenientemente as dimensões das paisagens onde mergulhamos são infinitas e ignoram o limite do olhar do fotógrafo que as aprisionou.

Eurico Lino do Vale (Porto, 1966)É o retrato do incógnito, do velado, do oposto da identidade. Definitivamente, um retrato daquilo que não está presente, daquilo que só existe em potência, no olhar de quem dispara. É assim que nascem as sombras, esse universo dissipado que reclama Tanizaki, essa empresa impossível que cerca os perfis a que Eurico Lino do Vale quer dar luz”.
Os percursores da fotografia mais não faziam que fixar-nos os recortes em perfis mais ou menos pontiagudos, mais ou menos achatados. A utilização destes instrumentos (máquinas) é conhecida e profusamente comentada na história da fotografia. Em França no tempo de Louis XIV, um novo processo de retratar é inventado e maliciosamente designado “Silhouette” nome de um “Ministro das Finanças” do reino. Sentados de perfil ao lado de um cavalete onde se dispunha uma folha branca, os retratados viam o seu perfil desenhado pela luz na superfície do papel, o interior dos contornos era posteriormente pintado a negro e recortado. Não deixa de ter piada que Eurico Lino do Vale exponha silhuetas na actual conjuntura económica do Portugal Socrático. Não resisto a lembrar-vos a história de Monsieur A. de Silhouette: ministro das finanças de Louis XIV, foi incumbido, em 1759, de equilibrar os cofres do estado que à época estavam quase vazios. Criativo, como hoje é o nosso Teixeira dos Santos, Silhouette esvaziou os bolsos dos franceses para encher os cofres do reino, mas estes não ficaram nada contentes e a sua popularidade sofreu reveses e consequências. Apareceu um novo estilo de roupa, fatos sem bolsos que foram considerados inúteis, pelo facto das pessoas não terem dinheiro para os encher. Estas roupas eram à la Silhouette, e até hoje, qualquer coisa insubstancial como uma sombra chamamos-lhe uma silhueta, em pouco tempo o brilhante ministro do reino torna-se não mais do que uma sombra de si mesmo. Não sei o que esta história tem de verdadeiro, uma coisa eu sei os portugueses também têem o seu Sr. Silhueta.
«O retrato é a própria realidade, um acto performativo. É o acto de encarnar a figura do fotógrafo para registar o momento. De um lado e do outro, é um encontro de duas pessoas num determinado tempo. O acto de fotografar é um acto de convergência de uma pessoa com outra. Depois, chega a divergência, quando o objecto se torna autónomo e decide partir. Porém, para mim, retratar não é nem teatro nem realidade pura. É o resultado daquilo que aconteceu».

Miguel Soares (Braga, 1970) Finalmente no trabalho de Miguel Soares onde a teoria estética de Samuel Taylor Coleridge (1732-1834), que invoca a vontade de uma pessoa aceitar como verdade as instalações de uma obra de ficção, mesmo se elas são fantásticas ou impossíveis. «A nossa vontade de aceitar a ilusão, mesmo em casos inverosímeis e tecnicamente imperfeitos, a chamada teoria da Suspension of Disbelief interessa-me imenso. Há coisas que víamos há vinte anos atrás e pareciam altamente verosímeis e realistas e que hoje em dia parecem muito mal feitas.»
Dei comigo a questionar-me se a obra “Planets” se tratava de caixas de luz, tal era a minúcia da iluminação mas, também, a sequência e a tonalidade das fotografias. Se eliminarmos as duas últimas fotografias na sequência de quem as percorre quando entra e verifica tratar-se na verdade de candeeiros de jardim, facilmente entramos no mundo mágico do fantástico, no mundo da teoria de Samuel Taylor Coleridge.


Também em "Li ine" o artista explora os mecanismos que regulam e determinam a percepção:




O Prémio BES Photo (este ano no valor de 25.000 euros) é atribuído desde 2004 pelo Banco Espírito Santo em parceria com o Centro Cultural de Belém, e em 2008, no âmbito de um novo protocolo, em parceria com o Museu Colecção Berardo.
Para esta 4.ª edição do galardão, os artistas foram escolhidos por um júri de selecção com base em exposições realizadas entre 01 de Julho de 2006 e 31 de Julho de 2007. O Júri de Selecção foi composto por Albano da Silva Pereira, Director do CAV (Centro de Artes Visuais, Coimbra), José Luís Neto, artista plástico e vencedor do BES Photo 2005, Leonor Nazaré, curadora do CAM (Centro Arte Moderna José Azeredo Perdigão, Fundação Calouste Gulbenkian), Nuno Crespo, crítico de arte e Ricardo Nicolau, Adjunto do Director do Museu de Serralves.
Os artistas foram seleccionados pelas seguintes exposições (realizadas entre 1 de Julho de 2006 e 31 de Julho de 2007:
- Daniel Malhão pela exposição "Título", na Galeria Vera Cortês - Agência de Arte (20 Out a 18 Nov 2006).
- Eurico Lino do Vale pela exposição "Retratos dos Túmulos dos Reis de Portugal", na Galeria Carlos Carvalho (09 Maio a 31 Julho 2007).
- Miguel Soares pela exposição "Exposição Individual de Miguel Soares", na Galeria Graça Brandão (21 Junho a 31 Julho 2007).
O júri, que anunciará o vencedor a 07 de Abril, é constituído pela curadora Lorena Corral, François Hebel, director de "Rencontres Culturales de la Photo", Jürgen Bock, Director da Escola de Arte Maumaus, José Bragança de Miranda, Professor da Universidade Nova de Lisboa e Thomas Seelig, Curador do Fotomuseum Winterthur, na Suiça.
Os trabalhos dos candidatos ao BES Photo serão apresentados, em Junho, no PhotoEspaña, em Madrid, que este ano é comissariado pelo português Sérgio Mah.


Ângela Camila Castelo-Branco, APPh.

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terça-feira, março 11, 2008


Paulo Catrica apresenta uma série de peças pensadas para o espaço da galeria Quadrado Azul, em Lisboa, em mostra patente de 7 de Março a 3 de Maio, sob o título “No ruses, so to speak”.
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© Paulo Catrica
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segunda-feira, março 03, 2008

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Gérald Bloncourt

“Os anos da lama” ou “Por uma vida melhor”


Dos jardins do castelo de Saint-Ggermain en Laye avista-se Paris e a Torre Eiffel. Nos anos sessenta quem dali não procurasse o horizonte e se inclinasse um pouco olhando para baixo, junto à muralha descortinava as hortas que os portugueses emigrados cultivavam aos domingos - nem todos. Muitos estavam com as famílias à beira dos lagos dos jardins do Vésinet (Ville du Vésinet, o Estoril parisiense), faziam piqueniques onde não dispensavam os garrafões de cinco litros em vidro verde forrado no entrelaçado do vime, nem faltava o bacalhau cozido com batatas. Estendiam ao sol as toalhas de linho branco do Minho – os que as tinham. Os domingos eram deles, ninguém lhes ousaria tirar aqueles, poucos, momentos de ilusão. As crianças brincavam com botas rotas exibindo roupa remendada. Os adultos sonhavam poder vir a ter um daqueles palacetes que ladeavam os jardins. Eram às centenas, cada um mais exuberante que o outro. Os portugueses acreditavam poder construi-los ainda melhores, com telhados mais inclinados, grades e portões ainda mais rendilhados. Quando a noite chegava regressavam aos “bidonvilles” onde a maioria morava. Cheios de sonhos e ilusões, – nem tudo era lama.
Ainda há bem pouco tempo deixámos as casas de granito com tábuas nas janelas e os animais em baixo nas lojas cujos excrementos quentes nos aqueciam. Ainda há muito pouco tempo os nossos avós cortavam a canivete um pedaço de queijo para comer num naco de pão, os mais abastados uma rodela de chouriço ou um pedaço de toucinho. Vivíamos de azeitonas e broas para molhar nas sopas. As casas nas grandes cidades de Lisboa e Porto não tinham casa de banho, havia um lugar que para tudo servia, separado por uma cortina, ali se faziam as necessidades, ali nos lavávamos, ali despejávamos a água com que lavávamos os legumes. Era o buraco. Ainda hoje encontramos pela cidade balneários públicos. O merceeiro fazia as contas que anotava em papel pardo, logo pagaríamos, se tudo corresse bem, no final do mês. Comprava-se o leite nas leitarias, que já não existem. Os papo-secos ou as carcaças nas padarias que são cada vez menos. Os automóveis passavam de pais para filhos. – Se terminares o curso ficas com o carro do pai. Ainda há pouco tempo os pais sonhavam casar bem as filhas, o mais depressa possível e empregar os filhos na função pública ou num banco – que eram para toda a vida, o trabalho e os casamentos. Já não emigramos tanto mas, nada garante que não voltemos a ter de o fazer. Ainda há pouco tempo a maioria de nós morria à nascença. Hoje estamos melhor, como diz António Barreto no “Portugal – Um Retrato Social”. Mas, não somos melhores - digo eu! Temos menos tempo para os outros, somos mais individualistas. Atropelamo-nos constantemente. E temos pouca memória. Também, há poucos testemunhos. E bem falta nos fazem...



© Gérald Bloncourt


É por estas razões que a exposição do fotógrafo Gérald Bloncourt “Uma vida melhor” que está no Centro Cultural de Belém até 18 de Maio de 2008 se reveste de uma tão grande importância. Porque, mais uma vez, é um estrangeiro a olhar-nos como nós não nos vemos. Gérald Bloncourt olhava para os assustados emigrantes portugueses que fotografava nos bairros de lata, nos anos 50, e pensava: "Que vai fazer? Qual é o seu destino? Ele vai conseguir porque é filho dos grandes descobridores!". E conseguiram. Hoje os portugueses em França são uma comunidade integrada com numerosos exemplos de sucesso empresarial e humano.
Activista político e social Gérald Bloncourt nasceu no Haiti, donde foi expulso para França onde continuou a lutar contra a ditadura haitiana. Fotografou as condições miseráveis em que viviam os trabalhadores portugueses em França nos anos 50, 60’s e 70’s. A entrada nas fábricas, os trabalhos de madrugada no “Les Halles”, então mercado abastecedor de frutas e legumes de toda a região parisiense, a construção da “La Defance”, hoje marca de uma França moderna, mas à época um imenso lamaçal de miséria. Os bairros de lata feitos com os restos de materiais das construções onde trabalhavam como pedreiros, carpinteiros e serventes. As crianças que, enlameadas, transportavam a água que não havia canalizada e tomavam conta umas das outras até ao regresso dos pais, ausentes nos estaleiros ou nos mercados a maior parte do dia.
Gérald Bloncourt também esteve em Portugal nas aldeias do nordeste transmontano donde vinham muitos dos emigrantes que fotografou em França. E, mais tarde, festejou com os portugueses o primeiro 1º de Maio depois do 25 de Abril de 1974, e a revolução dos cravos.

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Excerto do documentário “Gente do salto” de José Vieira



Para além de depoimentos do fotógrafo haitiano sobre o seu trabalho, podemos ver ainda nesta exposição os documentários “Gente do salto” e “Os anos da lama” realizados por José Vieira. “A expressão “o salto” contém a história dos emigrantes que, nos anos 60, partiram de Portugal, sem documentos, em direcção ao norte da Europa (...) O salto” era a emigração clandestina, literalmente o grande salto por cima das fronteiras dos milhares e milhares de portugueses que então fugiram da ditadura de Salazar. “O salto” eram separações e rupturas brutais. Esvaziaram-se aldeias inteiras, em segredo e debaixo de medo. Era a viagem do silêncio. Um acto de resistência e de desobediência que por vezes custou a vida. De tempos a tempos, a policia disparava como se perseguisse prisioneiros evadidos. “O salto era uma evasão que esperava pela amnistia: o regresso ao país. Porém “O salto” foi, quase sempre, a partida definitiva do país.”. Podemos ver no documentário de José Vieira.
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A exposição de "Gérald Bloncourt - Por uma Vida Melhor", foi comissariada por Bernardette Caille, e vai estar no Museu Colecção Berardo até 18 de Maio de 2008. A não perder.
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Ângela Camila Castelo-Branco

Visite o sítio de Gerald Bloncourt e o trabalho de Gérald Bloncourt no sítio do Sudexpresso um espaço virtual de memória e de história das migrações passadas e actuais.



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PONTO DE VISTA

Fotografias de António Barreto

“Portugal, um Retrato Social” de António Barreto é o resultado de mais de dez anos de trabalho, uma vida dedicada a pensar os outros. A pensar a sociedade portuguesa nos últimos 30 a 40 anos.
“Ponto de Vista” não nos mostra apenas o ângulo escolhido pelo fotógrafo quando opta por determinada imagem. Não é o desfecho de uma espera por um “instante decisivo”. “Ponto de Vista” é o olhar do fotógrafo mas, também, do sociólogo que está dentro desse fotógrafo. No caso de António Barreto, um não pode ser desassociado do outro. Não apenas pelo facto de que as suas fotografias serão sempre associadas à ideia que temos do sociólogo/ fotógrafo, mas pela circunstância de que na realidade as fotografias são o resultado do trabalho de um fotógrafo / sociólogo.

Ângela Camila Castelo-Branco



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"PONTO DE VISTA" é a primeira exposição de fotografias de António Barreto. Trata-se de uma selecção de fotografias recolhidas, em 2005 e 2006, durante a rodagem da série Portugal, um Retrato Social, realizado por Joana Pontes.
Em conjunto com a exposição é lançado o livro com o mesmo nome, disponível apenas na FNAC.
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O sociólogo António Barreto está a exibir 38 imagens a preto e branco do Portugal contemporâneo. São momentos captados com uma LEICA durante as rodagens do documentário "Portugal, um Retrato Social", exibido na RTP. Vídeo Artes & Espectáculos 2008-03-03 21:06:17