sábado, abril 28, 2007

Gostos...




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Gosto de Bizâncio, Constantinopla, Istambul. Gosto de acordar a ouvir chamarem para a oração. Gosto das mulheres com os olhos iguais aos da afegã da capa do “National Geographic” fotografada por Steve McCury. Gosto daquelas mulheres que nem os olhos se lhes vêem. Gosto da virilidade dos homens turcos. Gosto de regatear sonhos e ilusões. Gosto de condimentos fortes, comer sentada no chão, à volta de uma frigideira enorme de onde se serve toda a família. Gosto de molhar os dedos em molhos de paixão. Gosto de Kebab. Gosto de Karniyarik (beringelas recheadas). Gosto de lavar as mãos com colónias baratas. Gosto da cor dos rebuçados enrolados em paus. Gosto do calor sufocante que nos cola a roupa ao corpo. Gosto dos vendedores de perfumes e dos frascos escondidos nas caixas de madeira velha e latão. Gosto da neve branca que nos prende no quentinho dos hotéis. Gosto de me sentir segura nos templos de todas as religiões. Gosto de derreter-me nos banhos turcos. Gosto de passear à noite pelos bairros de Istambul e perder-me nas vielas. Gosto de me encontrar, num mercado negro, às duas da madrugada e ouvir os cambistas regatear moeda e os russos a venderem vodka e caviar. Gosto de Mustafa Kemal o “pai dos turcos”. Gosto de procurar sonhos no meio da multidão. Gosto dos panos que pintam de cores as mesas dos cafés. Gosto de esperar que o café assente no fundo da chávena. Gosto de me descalçar à entrada das mesquitas. Gosto de me aquecer nos tições incandescentes que queimam as folhas de tabaco. Gosto do fumo e do cheiro enjoativo dos cachimbos. Gosto dos chás com sabor a frutas, laranja, limão, maçã. Gosto de muçulmanos, de mouros e de árabes. Gosto de olhos castanhos. Gosto de peles douradas. Gosto da luz açafrão que nos entra pela alma. Gosto ao entardecer, na ponte Gálata, ver a cidade recortada pelo sol que adormece por detrás das silhuetas das mesquitas, como nos contos das mil e uma noites. Gosto de me sentar a olhar o Mar Negro e esperar o barco onde hei-de regressar. Gosto dos tapetes de reza virados para Meca. Gosto de passear ao lusco-fusco à beira do Bósforo. Gosto dos sumos frescos de romã. Gosto dos meninos vestidos de príncipes no dia da circuncisão. Gostos dos curdos, dos arménios, dos russos, dos búlgaros, dos gregos, que negoceiam no Bazar. Gosto da Baklava com frutos secos. Gosto...
Ângela Camila Castelo-Branco
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sexta-feira, abril 20, 2007

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auction AMADEO

Leilão de Fotografia


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Já lá vai algum tempo desde o primeiro leilão de fotografia de 1 de Junho de 2006. O catálogo, prefaciado por António Barreto, apresentava na capa uma fotografia de cavaleiros na lezíria ribatejana da autoria de Carlos Relvas, que foi comprada, praticamente pela base de licitação, por um coleccionador do Porto. O episódio é aqui destacado pelo facto de ser uma fotografia de Carlos Relvas e ser a fotografia da capa do catálogo. No entanto, os leilões têm destas coisas. Nessa noite, muita gente terá ficado surpresa pelo sucesso do evento. Confesso que não foi o meu caso. Surpreendeu-me, isso sim, o enorme profissionalismo com que este leilão e o outro que se lhe seguiu foram organizados. Nem parecia que estávamos em Portugal. Muitas vezes, estas iniciativas são pautadas por algum amadorismo e desorganização. Não foi o caso. Quantos de nós já estiveram em leilões sem qualquer conforto, em espaços que mais pareciam vãos de escada? A Potássio Quatro, com os primos Trindade, levou à praça, neste primeiro leilão, entre outras curiosidades: um álbum com a visita presidencial de Óscar Carmona às províncias ultramarinas; um retrato de Arpad Szenes e Vieira da Silva da autoria de Denise Colomb; uma caixa com positivos em vidro, de grandes dimensões, sobre S. Tomé e Príncipe no final do século XIX; e o livro “Lisboa, Cidade Triste e Alegre”, (1959) de Victor Palla e Costa Martins. A sala no CCB estava a transbordar, muitos ficaram de pé. No final, o regozijo era generalizado e percebia-se a satisfação entre organizadores e o público. O primeiro embate estava ganho.


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Cartão cabinet: Fernando Pessoa em Durban, com 10 anos de idade, dedicado à “querida tia Lisbella”.


O segundo leilão fez-se também no CCB, no dia 9 de Novembro de 2006, agora numa sala maior e com projecção em tela gigante das imagens em praça. Decorreu, pela primeira vez, em linha (online), o que permitiu acompanhar, à distância e em tempo real, o que se passou na sala. O catálogo, prefaciado por Eduardo Nobre, ostentava na capa um cartão cabinet com Fernando Pessoa em Durban, com 10 anos de idade, dedicado à “querida tia Lisbella”. Esta peça foi arrematada por 10 mil euros. Isto, por si, prova apenas o crescente interesse por estes leilões e dá-nos sinais de uma manifesta viabilidade. Foi à praça, no lote 118 um espólio interessantíssimo de Moses Bensabat Amzalak (1892-1978), Presidente da Comunidade Israelita de Lisboa. Este segundo leilão estava bem encaminhado com maior diversidade, peças muito interessantes a preços muito generosos, mas que acabaram por ser retiradas (por exemplo, a fotografia da Rainha D. Amélia com os Príncipes, fotografados frente às pirâmides de Gizé). Inexplicavelmente, correu menos bem que o primeiro, com alguns lotes a serem retirados, mas os seus impulsionadores não esmoreceram.


Familia real no Egipto. Fotografia atribuída a Enrique Casanova (1850-1913), Abril de 1903 (papel de revelação).

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No dia 12 de Maio, a senda continua. Às quatro da tarde, vai ouvir-se o martelo que dará início ao terceiro leilão de fotografia. No CCB, na “sala laman”, com catálogo mais ecléctico do que os anteriores, muito diversificado e com peças de maior qualidade. Fotografia do séc. XIX, fotografia moderna, máquinas fotográficas antigas, livros, cartazes e outros objectos ligados à fotografia. Lá estarão os coleccionadores e também os negociantes do ramo. Para ver e para comprar, lá estarão representantes de instituições públicas e privadas, cada vez mais interessadas nestes eventos. Nem podia ser de outra maneira. Se houve tempos em que estes acontecimentos podiam passar ao lado das instituições, hoje isso é cada vez mais difícil. Lá estará a fotografia como arte, como documento histórico, ou ambas as coisas, arte e documento. De todo o modo, como objecto de colecção a suscitar paixões. A informação sobre o leilão está completamente disponível em linha (online), em http://www.potassioquatro.com/ num design bonito, graficamente apelativo, inovador, muito sugestivo e de grande simplicidade na consulta. O público terá à sua disposição um CD com (catálogo em PDF, imagens JPG e um auction - vídeo) por 10 €. Estará também à venda um catálogo de edição limitada (colorido, assinado e numerado de 1 a 100, com capa especial em acid-free e um CD – Multimédia) por 90 €. O facto de esta edição ser limitada torna-a a partir de logo uma peça de colecção. Salta à vista o arrojo dos primos Trindade. Cabe-nos agora a nós estarmos à altura da sua coragem, marcando presença no dia 12 de Maio de 2007 no CCB.


Fotografia: Carlos Lobo (b.1974). Surfaces study 01. 2005. "Surfaces serie". ed. 1/2. 50 x 50cm.
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Os retratos de Ngungunhane


“Gungunhana – O herdeiro Godide, mulheres e filhos menores do Gungnhana” - Alguns filhos do potentado vátua


As duas primeiras gravuras, a que se refere a ephigraphe, são completamente novas para os leitores do Diário Ilustrado, que procura sempre, pela gravura que se veja. Traser em dia os seus leitores sobre todas as actualidades de alcance e valor.
O Gungunhana que temos dado é o do sertão, em toda a força da sua vida e do seu poderio; o que hoje damos é tal e qual como elle chegou a Cabo Verde, onde foi tirada a respectiva photographia, e pode dizer-se que representando o seu estado physico e moral no momento em que entrou em Lisboa.
A segunda é a de Godide, que seria regulo de amanhã, na dysnatia dos Vátuas, tão bom como o seu avô e seu tio: um déspota sanguinário para com os seus, um inimigo da civilização portuguesa da África Oriental.
Já dissemos, e já muitos collegas referiram episódios de vida aventureira d’este sagacíssimo preto, que foi quem, por parte dos Vátuas, commandou a acção de Coellela. Com uma certa instrução... relativa, pois que chegou a frequentar a escola d’arte e officios de Moçambique; fallando, bem que mal, o portuguez; sabendo até fazer o seu nome, n’uma calligraphia rudimentar, é ao mesmo tempo um Lovelace, um D. Juan do sertão, o terror dos maridos... com dez, vinte, trinta, cinquenta mulheres. Heroe lascivo amante aos centos!
No pele-mêle do África, atraiçoou... o pae, e tanto d’elle se enamorou uma das favoritas, que chegou – o amor não conhece cores! – a querer suicidar-se por causa do ingrato.
A bordo, um repórter indiscreto perguntou-lhe se isto era verdade, ao que elle respondeu que atraiçoará o progenitor, não com uma, mas com todas as suas mulheres!
Gidide é uma organisação complexa: valente, como poucos; manhoso, como um politico. A pequena ilustração não fez mais do que aperfeiçoar-lhe os maus instinctos nativos.
É um verdadeiro personagem de romance.

O Gungunhana a bordo do transporte África é já conhecida dos nossos leitores, mas a sua reprodução foi-nos pedida por muitos que não alcançaram o número em que primeiramente a déramos; a outra, que representa alguns dos filhos do regulo, só foi dada no suplemento que posemos à venda no dia 13.
A galeria de retratos do Diário Ilustrado, com respeito á campanha de Lourenço Marques, está ainda muito longe de se completar. A cada momento, por obséquios que registramos agradecidamente, nos são enviadas photographias para mandarmos reproduzir em gravura.
É o que fazemos seccessivamente, no desejo, que é nossa obrigação, de corresponder á curiosidade dos nossos leitores, que tanto se enthusiasmaram, num santo patriotismo, com as immorredoiras glorias alcançadas pelas armas portuguesas.
Temos verdadeiras novidades, que previamente annunciaremos, esperando a continuação do favor publico.

Texto integral do Diário Ilustrado de 15 de Março de 1896.


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Gungunhana a bordo do vapor "Africa", quando da sua chegada a Lisboa, posando para o fotógrafo com duas das suas sete mulheres. Diário Ilustrado, 15 de Março de 1896. Gravura a partir da fotografia ao lado. Esta foto estará a leilão na Potássio Quatro, no dia 12 de Maio de 2007, no Centro Cultural de Belém em Lisboa.



© Colecção Ângela Camila Castelo-Branco e António Faria

Forte de Monsanto em Lisboa, 1896. Em pé Zixaxa e Godide (filho de Gungunhana). Sentados, Gungunhana e as suas sete mulheres, antes de embarcarem para os Açores.



7H30, 23 de Junho de 1896. Os guardas do Forte de Monsanto descem às celas dos prisioneiros para os preparar para a última viagem.
No dia anterior, o governo tomara, finalmente, a decisão de os desterrar para a Ilha Terceira, nos Açores. Tentara guardar segredo para que não se repetisse a agitação, quase distúrbios, da populaça, verificada três meses antes. No entanto, a imprensa tinha conseguido furar o sigilo e cinco repórteres estão de plantão junto aos portões do forte.
Os prisioneiros entram em pânico quando os vão buscar. Sobretudo Ngungunhane que se convence que chegou, finalmente, o momento da sua execução. Recusa vestir-se, rola pelo chão, faz o gesto de ser lhe cortada a cabeça. Pergunta, como à chegada a Lisboa: "Vai morrer?".
As sete mulheres parecem enlouquecidas quando se dão conta que vão separá-las dos companheiros. Tal como o cozinheiro Gó, ficam no forte até serem enviadas para a Ilha de S. Tomé.
A muito custo, os guardas vestem Ngungunhane com as roupas novas mandadas fazer para a viagem. As calças de brim estão tão apertadas que se rompem ao subir para o "trem de praça". Zixaxa troça da triste figura do rei destronado. Desde Moçambique que ele e Ngungunhane lançam um ao outro as culpas da rebelião nguni e nutrem um ódio recíproco.
Ao chegar ao Arsenal, esperam-nos o ministro da Marinha, jornalistas, cavalheiros e damas munidos de convites especiais. Godide dá mais autógrafos.
Ngungunhane tem de ser levado em braços para a canhoneira "Zambeze". Está exausto, perdeu o último vestígio de dignidade, mas já desistiu de implorar a audiência a D. Carlos.
São todos revistados porque o comandante do navio teme que escondam facas para se suicidarem. Depois empurram-nos para o "bico da proa da coberta de vante" onde ficam alojados.
A imprensa fustiga o governo pelo "cúmulo da crueldade" de separar os prisioneiros das mulheres.

(Relatos da imprensa da época)



Ngungunhane e as suas sete esposas (no Forte de Monsanto, Lisboa, em Março de 1896).


Godide e Zixaxa aprendem rapidamente a ler e escrever, no que são seguidos por Ngungunhane. Com boa caligrafia, alguns dos seus escritos sobreviveram até aos nossos dias. Também a cristianização, que fora iniciada pelo médico Georges Liengme, um missionário evangélico suíço que vivera 4 anos em Manjacaze, será prosseguida nos Açores. A 16 de Abril de 1899, os prisioneiros são baptizados na sé catedral pelo bispo de Angra, D. Francisco José Ribeiro de Vieira e Brito, e logo de seguida crismados, recebendo como padrinhos os principais notáveis da ilha. Os nomes de baptismo são Reinaldo Frederico Gungunhana, António da Silva Pratas Godide, Roberto Frederico Zichacha e José Frederico Molungo.
Do dia do baptismo, fica a patética foto dos quatro homens em traje de rigor: fraque, punhos saídos, laço, lenço, cartola, polainas.



Ngungunhane (sentado à esquerda), Godide (de pé com a mão no ombro do pai), Molungo (sentado) e Zixaxa (de pé), no dia do baptismo do grupo (16 de Abril de 1899).


Fotografias de Chaves Cruz(1870-?)
Chegada a Lisboa de Gungunhana a 13 de Março de 1896


Bibliografia

Maria da Conceição Vilhena "Gungunhana no seu Reino"

segunda-feira, abril 16, 2007

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Foi criada no dia 13 de Abril a Associação Portuguesa de Photographi@. Cem anos depois de ter sido fundada a sua antecessora, a Sociedade Portuguesa de Photographia.No Cartório Nacional de Georgina Martins, em Lisboa, assinaram a escritura de fundação e legalização os seguintes doze sócios fundadores: Alexandre Ramires, Ângela Camila, António Barreto, António Faria, António Pedro Vicente, Carlos Miguel Fernandes, João Clode, João Loureiro, José Pessoa, Madalena Lello Colaço, Sérgio Gomes e Vitória Mesquita. A associação conta já com várias dezenas de futuros sócios fundadores.


Sem propósitos de especulação comercial nem fins lucrativos, a APPh tem como objectivos o estudo histórico e o progresso científico e artístico da fotografia nas suas implicações técnicas, históricas e sociológicas e aplicações científicas e artísticas, designadamente a investigação sociológica e histórica da imagem fotográfica; a memória fotográfica e a sua preservação; a aplicação de métodos de inventariação e catalogação; a investigação estética e artística inclusivamente na fotografia moderna. A Associação procurará dignificar o património fotográfico nacional, estimular a organização de uma biblioteca e de um centro de documentação. Assim como se esforçará por organizar exposições, cursos, conferências e colóquios. A APPh pretende ainda contribuir para o fomento do ensino da fotografia em todos os níveis e graus de ensino.


A APPh. criará também, logo que possa, uma página na net (website) http://www.apphotographia.com/ com o fim específico de servir de ligação e de informação sobre as actividades da associação.
Podem contactar-nos através do E-mail apphotographi@gmail.com


Lisboa, 15 de Abril de 2007

Acto de escritura notarial da Associação Portuguesa de Photographia

quinta-feira, abril 12, 2007

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.UM FOTÓGRAFO DE SILÊNCIOS

Fotografia © Ruy Cinatti

"Estas são imagens retiradas ao álbum de fotografias de Ruy Cinatti, deambulações por Timor, sobretudo, e pelos seus passos em redor do mundo. As fotografias de Ruy Cinatti constituem, se reconstituído o seu espólio completo, um valioso manancial de imagens para reconhecer o próprio olhar do poeta nas paisagens que visitou.", in revista "Ler" n.º 39 1997.

REALISMO POLÍTICO


Se os Timorenses quiserem ser Indonésios, passem para o outro lado.
Se os Timorenses quiserem ser Portugueses, têm-me a seu lado.
Se os Timorenses quiserem ser independentes, construam-se.

Ruy Cinatti, Timor-Amor

30/6/74 (de Timor-Amor, 1974 - na versão original a última palavra deste poema era "sumam-se". Porém, esta é a versão definitiva, incluída na antologia editada pouco depois da morte de Cinatti pela Presença e organizada por Joaquim Manuel Magalhães, que dele recebeu o encargo da substituição)




Fotografia © Ruy Cinatti



Tau Matan Ba Timor


Hei-de chorar as praias mansas de Tíbare Díli
as manhãs, mesas de bruma, de Lautém,
os horizontes transmarinhos de Dáre,
as planícies agrícolas de Same e de Suai.

Ruy Cinatti, Timor-Amor


A praia foi lugar de muita espera.
A maré molhou-te de improvisos.
Chegou a noite e abriu-te as portas ao sol poente.
A noite para os poetas.

Ruy Cinatti, De cá para lá



Luro. Faldas do Tata-Mai-Lau, com vista ao sul.
Fotografia © Ruy Cinatti


OS VÍNCULOS PORTUGUESES

Meu irmão, meu irmão branco,
de cor, como eu também!
Aceita a minha aliança.
Bebe o meu sangue no teu.
Se te sentires timorense,
bebe o teu sangue no meu.
Lenço enrolado nas mãos,
apertadas, pele na palma.
Não o quero maculado.
Quero-lhe mais que à minha alma.
É penhor de uma aliança.
Quero-lhe mais que à minha alma.
Tenho o meu coração preso
a um símbolo desfraldado.
Um desenho atribuído,
pelas minhas mãos hasteado.
Não piso a sombra de um símbolo
pelas minhas mãos hasteado.
No Tata-Mai-Lau aprendo alturas
que ninguém viu na terra de Português.
Hasteei-lhe uma bandeira.
Timor deu a volta ao mundo.
Hasteei nele a bandeira.





Ruy Cinatti deixou os seus bens e espólio literário à Casa do Gaiato, de Lisboa.

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Cinema · SEXta 13 e SÁBado 14 de Abril de 2007 Pequeno Auditório · 2 Euros

Hurlements en faveur de Sade - Guy Debord - 1952

© Colecção Alice Debord


Com e Contra o Cinema
Integral dos filmes de Guy Debord


Foi uma sociedade específica e não uma tecnologia específica, que fez o cinema tal como é. Em vez disso, podia ter sido análise histórica, teoria, ensaio, memórias. Podia ter consistido de filmes como o que faço neste momento.
Nada quero conservar da linguagem desta arte ultrapassada, nada a não ser talvez o contracampo do único mundo que observou e um travelling sobre as ideias passageiras de uma época.
Guy Debord - In girum imus nocte et consumimur igni

O cinema ocupou um lugar central no pensamento e na prática de Guy Debord, na sua crítica das formas de representação e do papel social das imagens. As estratégias e modos de composição formal que caracterizam os seus filmes estão já contidos no seu primeiro gesto cinematográfico, o filme Letrista, Hurlements en faveur de Sade (1952) em que as frases ditas, “desviadas” do seu contexto original, e a poesia concreta, alternadas no ecrã branco (sonoro) e preto (em silêncio), contêm já o seu projecto para uma “dialéctica da desvalorização/revalorização” dos diferentes elementos em jogo e da negação do cinema tal como o conhecemos. Os filmes posteriores prolongam a prática da apropriação e montagem de imagens de fontes diversas (excertos de jornais filmados, filmes publicitários, filmes de ficção, imagens de banda desenhada, fotografias), de imagens realizadas por Debord, conjugadas com os textos escritos e lidos, igualmente desviados do seu contexto original (citações, textos do próprio autor) a que se acrescenta a utilização pontual da música que serve de contraponto lírico às imagens. As imagens utilizadas constituem ao mesmo tempo documentos e artefactos, contendo de forma imanente a sua própria crítica, em comentários sobre o cinema e os géneros cinematográficos, as combinações entre a imagem e o texto, as relações pessoais e sociais, a ideologia, a luta de classes e a política e o lugar do Homem na História e no sistema espectacular que expõe e critica. Os filmes de Guy Debord intensificam aquilo que na obra do seu autor reflecte um discurso sobre o potencial revolucionário da juventude, sobre a amizade, o amor, conjugando o lirismo e as suas reflexões sobre a cidade, o urbanismo e a arquitectura, num constante olhar retrospectivo sobre o exercício do seu pensamento. As obras cinematográficas de Guy Debord estiveram praticamente invisíveis, interditadas de qualquer projecção pública pelo próprio realizador, após o assassinato do seu produtor Gérard Lebovici em 1984. Disponíveis sobretudo na sua forma escrita numa compilação de textos e imagens organizada pelo autor, os filmes de Guy Debord foram recentemente disponibilizados de novo para circulação, o que permite que possa ser exibida, neste ciclo, a sua obra integral.
Em complemento apresenta-se o filme Letrista L’Anticoncept de Gil J Wolman, de 1952, um dos mais importantes filmes de vanguarda do pós-guerra e influência determinante para Guy Debord. O filme vai ser apresentado no seu dispositivo original, projectado num balão sonda.


Comissário Ricardo Matos Cabo
Agradecimentos Centre Georges Pompidou, Mme. Charlotte Wolman, Jacques Le Glou

Sexta 13 de Abril
18h30
Guy Debord, son art et son temps, 1994
1h00, vídeo de Guy Debord, realizado por Brigitte Cornand, leg. em português
21h30
In girum imus nocte et consumimur igni, 1978
1h45, 35mm, leg. em português
Sábado 14 de Abril
17h00
L’Anticoncept de Gil J. Wolman, 1952
1h00, 35mm, sem legendas
Hurlements en faveur de Sade, 1952
1h15, 35mm, sem legendas
21h30
Sur le passage de quelques personnes à travers une assez courte unité de temps, 1959
18 min, 35mm, leg. em português
Critique de la séparation, 1961
19 min, 35mm, leg. em português
La Société du spectacle, 1973
1h20, 35mm, leg. em português
Réfutation de tous les jugements, tant élogieux qu’hostiles, qui ont été jusqu’ici portés sur le film “La Société du spectacle”, 1973
22 min, 35mm, leg. em português




Classificação: M/16
Filmes apresentados em v.o. francesa
Informações e reservas 21 790 51 55 culturgest.bilheteira@cgd.pt
Bilhetes à venda Culturgest Fnac lojas Abreu www.ticketline.pt
Reservas 707 234 234
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quinta-feira, abril 05, 2007

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Daniel Blaufuks - SOB CÉUS ESTRANHOS
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Sob Céus Estranhos é uma meditação evocativa sobre a experiência dos refugiados DA Europa Central e sobre um sentimento de dispersão em trânsito na cidade de Lisboa e nos seus arredores. É uma descoberta comovente, positivamente modesta e humana do espaço, do tempo e do desenraizamento, transmitidos de geração em geração, dos avós que partiram da Alemanha para Portugal, para os pais, para o neto. Poucos refugiados permaneceram em Portugal depois de a guerra acabar, mas os avós de Blaufuks, ao contrário de tantos outros, decidiram não seguir viagem ou voltar para a Alemanha.
Tendo crescido em Lisboa, no quinto andar do mesmo prédio onde moravam os seus avós, Daniel Blaufuks viveu a infância imerso num universo de vestígios dessa experiência dos refugiados – um mundo de alusões, fotografias, alguns objectos, comidas, costumes e memórias que não eram as suas, mas que acabariam por o atrair e marcar de forma indelével.
Utilizando algumas dessas reminiscências, bem como filmes da época e de família, excertos de memórias e textos de refugiados, relatos de família e materiais de arquivos europeus e americanos, Blaufuks oferece-nos um vivido documento com uma bela imagem sobre um momento significativo da história do século XX.
O resultado – belo, delicado – é testemunho de uma importante, ainda que muitas vezes menosprezada, verdade. Apesar da natureza imperfeita, apesar da sua incapacidade para captar e comunicar a experiência através da memória, a transmissão entre gerações é envolta em valores e em lições que podem efectivamente passar de pessoa para pessoa, de geração para geração, através dos tempos.

Leo Spitzer, professor de História, Dartmouth College




Terça-feira, dia 10 de Abril, às 18h30 na Fnac do Chiado
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