sexta-feira, abril 20, 2007

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Os retratos de Ngungunhane


“Gungunhana – O herdeiro Godide, mulheres e filhos menores do Gungnhana” - Alguns filhos do potentado vátua


As duas primeiras gravuras, a que se refere a ephigraphe, são completamente novas para os leitores do Diário Ilustrado, que procura sempre, pela gravura que se veja. Traser em dia os seus leitores sobre todas as actualidades de alcance e valor.
O Gungunhana que temos dado é o do sertão, em toda a força da sua vida e do seu poderio; o que hoje damos é tal e qual como elle chegou a Cabo Verde, onde foi tirada a respectiva photographia, e pode dizer-se que representando o seu estado physico e moral no momento em que entrou em Lisboa.
A segunda é a de Godide, que seria regulo de amanhã, na dysnatia dos Vátuas, tão bom como o seu avô e seu tio: um déspota sanguinário para com os seus, um inimigo da civilização portuguesa da África Oriental.
Já dissemos, e já muitos collegas referiram episódios de vida aventureira d’este sagacíssimo preto, que foi quem, por parte dos Vátuas, commandou a acção de Coellela. Com uma certa instrução... relativa, pois que chegou a frequentar a escola d’arte e officios de Moçambique; fallando, bem que mal, o portuguez; sabendo até fazer o seu nome, n’uma calligraphia rudimentar, é ao mesmo tempo um Lovelace, um D. Juan do sertão, o terror dos maridos... com dez, vinte, trinta, cinquenta mulheres. Heroe lascivo amante aos centos!
No pele-mêle do África, atraiçoou... o pae, e tanto d’elle se enamorou uma das favoritas, que chegou – o amor não conhece cores! – a querer suicidar-se por causa do ingrato.
A bordo, um repórter indiscreto perguntou-lhe se isto era verdade, ao que elle respondeu que atraiçoará o progenitor, não com uma, mas com todas as suas mulheres!
Gidide é uma organisação complexa: valente, como poucos; manhoso, como um politico. A pequena ilustração não fez mais do que aperfeiçoar-lhe os maus instinctos nativos.
É um verdadeiro personagem de romance.

O Gungunhana a bordo do transporte África é já conhecida dos nossos leitores, mas a sua reprodução foi-nos pedida por muitos que não alcançaram o número em que primeiramente a déramos; a outra, que representa alguns dos filhos do regulo, só foi dada no suplemento que posemos à venda no dia 13.
A galeria de retratos do Diário Ilustrado, com respeito á campanha de Lourenço Marques, está ainda muito longe de se completar. A cada momento, por obséquios que registramos agradecidamente, nos são enviadas photographias para mandarmos reproduzir em gravura.
É o que fazemos seccessivamente, no desejo, que é nossa obrigação, de corresponder á curiosidade dos nossos leitores, que tanto se enthusiasmaram, num santo patriotismo, com as immorredoiras glorias alcançadas pelas armas portuguesas.
Temos verdadeiras novidades, que previamente annunciaremos, esperando a continuação do favor publico.

Texto integral do Diário Ilustrado de 15 de Março de 1896.


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Gungunhana a bordo do vapor "Africa", quando da sua chegada a Lisboa, posando para o fotógrafo com duas das suas sete mulheres. Diário Ilustrado, 15 de Março de 1896. Gravura a partir da fotografia ao lado. Esta foto estará a leilão na Potássio Quatro, no dia 12 de Maio de 2007, no Centro Cultural de Belém em Lisboa.



© Colecção Ângela Camila Castelo-Branco e António Faria

Forte de Monsanto em Lisboa, 1896. Em pé Zixaxa e Godide (filho de Gungunhana). Sentados, Gungunhana e as suas sete mulheres, antes de embarcarem para os Açores.



7H30, 23 de Junho de 1896. Os guardas do Forte de Monsanto descem às celas dos prisioneiros para os preparar para a última viagem.
No dia anterior, o governo tomara, finalmente, a decisão de os desterrar para a Ilha Terceira, nos Açores. Tentara guardar segredo para que não se repetisse a agitação, quase distúrbios, da populaça, verificada três meses antes. No entanto, a imprensa tinha conseguido furar o sigilo e cinco repórteres estão de plantão junto aos portões do forte.
Os prisioneiros entram em pânico quando os vão buscar. Sobretudo Ngungunhane que se convence que chegou, finalmente, o momento da sua execução. Recusa vestir-se, rola pelo chão, faz o gesto de ser lhe cortada a cabeça. Pergunta, como à chegada a Lisboa: "Vai morrer?".
As sete mulheres parecem enlouquecidas quando se dão conta que vão separá-las dos companheiros. Tal como o cozinheiro Gó, ficam no forte até serem enviadas para a Ilha de S. Tomé.
A muito custo, os guardas vestem Ngungunhane com as roupas novas mandadas fazer para a viagem. As calças de brim estão tão apertadas que se rompem ao subir para o "trem de praça". Zixaxa troça da triste figura do rei destronado. Desde Moçambique que ele e Ngungunhane lançam um ao outro as culpas da rebelião nguni e nutrem um ódio recíproco.
Ao chegar ao Arsenal, esperam-nos o ministro da Marinha, jornalistas, cavalheiros e damas munidos de convites especiais. Godide dá mais autógrafos.
Ngungunhane tem de ser levado em braços para a canhoneira "Zambeze". Está exausto, perdeu o último vestígio de dignidade, mas já desistiu de implorar a audiência a D. Carlos.
São todos revistados porque o comandante do navio teme que escondam facas para se suicidarem. Depois empurram-nos para o "bico da proa da coberta de vante" onde ficam alojados.
A imprensa fustiga o governo pelo "cúmulo da crueldade" de separar os prisioneiros das mulheres.

(Relatos da imprensa da época)



Ngungunhane e as suas sete esposas (no Forte de Monsanto, Lisboa, em Março de 1896).


Godide e Zixaxa aprendem rapidamente a ler e escrever, no que são seguidos por Ngungunhane. Com boa caligrafia, alguns dos seus escritos sobreviveram até aos nossos dias. Também a cristianização, que fora iniciada pelo médico Georges Liengme, um missionário evangélico suíço que vivera 4 anos em Manjacaze, será prosseguida nos Açores. A 16 de Abril de 1899, os prisioneiros são baptizados na sé catedral pelo bispo de Angra, D. Francisco José Ribeiro de Vieira e Brito, e logo de seguida crismados, recebendo como padrinhos os principais notáveis da ilha. Os nomes de baptismo são Reinaldo Frederico Gungunhana, António da Silva Pratas Godide, Roberto Frederico Zichacha e José Frederico Molungo.
Do dia do baptismo, fica a patética foto dos quatro homens em traje de rigor: fraque, punhos saídos, laço, lenço, cartola, polainas.



Ngungunhane (sentado à esquerda), Godide (de pé com a mão no ombro do pai), Molungo (sentado) e Zixaxa (de pé), no dia do baptismo do grupo (16 de Abril de 1899).


Fotografias de Chaves Cruz(1870-?)
Chegada a Lisboa de Gungunhana a 13 de Março de 1896


Bibliografia

Maria da Conceição Vilhena "Gungunhana no seu Reino"

2 comentários:

cs disse...

excelente trabalho
parabéns
:)

Anónimo disse...

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